sexta-feira, 29 de julho de 2011

julho

"A menina tá descendo".

Eu passo por um aparelho que apita, por uma mulher fardada que me revista, deixo todos os meus pertences, passo por um grande portão com um grande cadeado, há um pequeno jardim, eu já posso ver as primeiras calças amarelas a trabalhar sob o sol de inverno. Passo pela administração, onde trabalham as calças amarelas que andam rebolando e usam maquiagem. Mais um portão grande com um cadeado grande, mais um, mais um... chego ao setor da Educação, onde há calças amarelas responsáveis por arrumar aquela papelada toda. Mais um portão grande e estamos na "gaiola". Passamos pelo maior corredor do mundo, onde há calças amarelas andando em sentidos contrários ao nosso. E então lá estou eu. A escola do presídio, exatamente no centro dos pavilhões de moradia. O carcereiro mais boa gente do Brasil me diz que eu posso ficar o tempo que eu precisar, e se retira. Só eu e as calças amarelas.
Eu falo do meu trabalho, eles falam de suas vidas, eu tento absorver tudo, tudo, tudo, mas eu não anoto nem gravo nada, eu realmente não consigo... É forte, forte, forte. Meninos, vamos sair dessa sala fria e ir ali tomar um sol? Eu não me importo com tudo o que vocês já fizeram. Menina de cabeça comunista e burra, presta atenção! Enquanto você pensa bobagens eles já falaram uma porção de coisas.
Por que disseram que eu descia, se não há descida alguma?
Uma das calças amarelas me diz que sente saudade de sentar na calçada de casa e de conversar com os vizinhos; me fala de como é pesado o ambiente em que vive, e de todas as acrobacias que desenvolve para lidar com a culpa e a solidão. Sou acometida do sentimento mais terno do mundo e por uma fração de segundo me movo em sua direção, no impulso de abraçá-lo.

Todos os dias, depois do presídio, me sinto como uma criança que chora sem saber apontar onde dói.