sábado, 28 de novembro de 2009

carrascos e vítimas

(Banksy)

"Longe de estar atento a evitar que Emílio se machuque, eu ficaria muito aborrecido se ele nunca se ferisse e crescesse sem conhecer a dor. Sofrer é a primeira coisa que ele deverá aprender, e a que ele terá maior necessidade de saber."


ROUSSEAU, J-J. "Livro Segundo". In. Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992, p.70.

Na última sexta-feira 13 eu fui ao presídio de Guarulhos, visitar a feira cultural dos detentos. Fiquei muito contente e comovida pela qualidade dos trabalhos dos presos e pelo empenho que demonstravam em todas as atividades. Houve um moço que apresentou um rap cheio de revolta, no qual ele desabafava sua insatisfação com a sociedade, que só lhe ofereceu opressão, quando ele mais precisava de carinho! Ele usou exatamente essas palavras.
O ambiente na prisão é bastante hostil, e aos presos não é concedido o privilégio de andar pelo mesmo corredor que nós, as pessoas intrinsecamente boas e honestas, sem nenhuma dívida com a lei. Os presos podem ser reconhecidos pelo uniforme, uma calça bege e camiseta branca. Também podem ser reconhecidos pelo semblante desiludido e os olhos baixos, envergonhados.
Os carcereiros, amigos da ordem e do progresso, podem ser reconhecidos pela arrogância e sorrisinho cafajeste, de canto de boca. Podem ser reconhecidos, também, por um ar de "aqui, quem manda sou eu" e, mais sutilmente, um ar de "que trabalho importante, esse meu! Nada me faz mais feliz do que esse cassetete".
Havia, lá na escola da prisão, um biólogo que foi preso, cumpriu sua pena e hoje é um "homem livre". Aí ele continua frequentando o presídio, agora como professor. Esse homem é um grande exemplo de gente que acredita em gente, e merece minha grande admiração.
Às 17 e pouco, alguém grita: "Pavilhão 2!" e somos apressados a nos retirar. É hora dos presos se recolherem às celas, aqueles cubículos destinados à reflexão: "fiz muito mal para a sociedade, estou aqui me redimindo".
Também os grandes malfeitores do Brasil têm seus cubículos reflexivos, eu imagino. Com suas almofadas de seda, ares condicionados e tudo mais. Mas pensar sobre isso é um exercício que eu não estou a fim de fazer, agora.

Eis uma diferença notável, talvez a maior, entre os grandes e os pequenos malfeitores: os primeiros cresceram sem conhecer a dor. Valeu pela dica, Rousseau!

Eu, a menina que não está em conflito com a lei e faz parte da elite intelectual brasileira, cultivada pelo ensino superior, fiquei muito meditativa depois da visita ao presídio e garanto que a experiência foi determinante na minha vida. Vidinha essa que às vezes me deprime, não sei bem por quê, mas arrisco dizer que a tristeza decorre da constatação: não vejo grandes diferenças entre mim, tão limpa, certinha, impecável... e os presos sujos, tortos, errados.